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Professora Claudia

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sábado, 27 de setembro de 2008

A Música e o Jogo no Jogo da Aprendizagem


A Música e o Jogo no Jogo da Aprendizagem

Antonio Luiz Ferreira Bahia

Lembro-me, ainda hoje, das músicas que eram cantadas no jardim de infância. Para cada atividade tinha uma musiquinha, o som e o ritmo da obediência eram ditados através da harmonia e da cadência imposta pelo olhar e pelo gesto da professora.
“Quem vai chegando ficava atrás, menino educado é assim que faz” Assim, a fila era formada com um pegando no ombro do outro para não se perder e, acima de tudo, para a professora não perder a autoridade.Ninguém discutia nem sequer imaginava uma outra forma de se deslocar no espaço da escola. Já estava tudo determinado para garantir a “disciplina”. E quando a turma chegava era cantada a música do “BOM DIA” e todos tinham que se abraçar. Era uma festa! Uma festa organizada para celebrar a obediência. Até para lanchar cantavam-se 03 músicas: uma para lavar as mãos, uma para o lanche e, por fim, para arrumar a sacola. Tinha música para saudar um visitante e para outras situações. Momentos criados pelos “educadores” para que, ao som da música, se estabelecesse um comportamento de ajuste a um modelo de sociedade que determina que as coisas devem ser como são ou estar como estão e, por isso mesmo, não cabe lugar a formação consciente de pessoas que possam modificá-las.
É comum ver-se nos curso de formação de professores e nos encontros pedagógicos uma preocupação exagerada no aprendizado de mais uma música, principalmente para datas comemorativas pois, desta forma, se comemora cantando sem ao menos questionar a validade de tal ato. Devido a isto, as músicas que são produzidas e cantadas na escola se afastam, cada vez mais, da realidade social, não permitindo a criança refletir as atividades a serem feitas com e através do seu corpo.
A infância é um momento de constantes descobertas e conhecimentos do corpo, através dos movimentos. Segundo Diem (1980) ”aprender é fruto da experiência. Cada progresso no aprendizado é pré-requisito para a aquisição de novas noções”. Portanto, se a ação pedagógica limita a troca de experiência em nome da disciplina, perde-se um universo de oportunidades de criação e descobertas.
Neste sentido, Levy (1985) reforça, ainda mais, essa necessidade de possibilitar descobertas quando refere-se aos primeiros anos de vida, denominando esta fase como de descobertas do corpo na exploração do espaço, de explosão motora e numa inspiração entusiasmada diz: “ninguém duvida de que o primeiro astronauta, ao por o pé na lua, tenha conhecido um momento de intensa alegria. Guardadas as devidas proporções, cada criança vive um momento semelhante quando conseguir se deslocar sem a ajuda de outra pessoa”.
É através dos jogos e brincadeiras que a criança começa a descobrir o mundo, explorando e se relacionando, ela constrói e socializa o conhecimento, na troca de experiências com outras crianças,permitindo que tarefas e habilidades possam ser executadas de maneira independente, ou mesmo com a ajuda dos colegas caracterizando assim zonas de desenvolvimento proximal, a partir dessas atividades lúdicas. Tal afirmativa ganha reforço em Kishimoto (1984) quando afirma que: “Vygotsky (1988) deixa claro que, nos primeiros anos de vida, a brincadeira é atividade predominante e constitui fonte de desenvolvimento ao criar zonas de desenvolvimento proximal. Ao prover uma situação imaginativa, por meio da atividade livre, a criança desenvolve a iniciativa, expressa seus desejos e internaliza regras sociais.
E o jogo na escola de que forma está sendo realizado? Será que é permitido a criança modificá-lo ou também, como na música, a seguir padrões e regras pré-estabelecidas?
A criança que cria e recria no seu cotidiano junto com o grupo, ao entrar na escola começa a ver sua rotina totalmente alterada por um adulto que agora se apropria do seu jogo e começa a ditar regras, impondo uma nova maneira de se relacionar. Agora, nada mais é tão natural como antes, tem que seguir às regras de um jogo que se torna diferente daquele jogo de rua.
Mas que jogo é esse que se transforma da rua para a escola? Será que é o jogo que se transforma ou a maneira de jogar?
Neste sentido, Snyders (1988) afirma que : “há muitas alegrias que não têm necessidade do sistemático – há formas de cultura que são adquiridas fora da escola, fora de toda autoformação metódica e teorizada, que não são o fruto do trabalho, do esforço, nem de nenhum plano: nascem da experiência direta da vida, nós a absorvemos sem perceber; vamos em direção a elas seguindo a inclinação da curiosidade e dos desejos ...”
Portanto, quando a escola se apropria do jogo não deve ser para ditar as regras, mas para fazer que todos possam também se apropriar dessa cultura que foi construída no dia-a-dia e que, por certo, reproduziu as injustiças do cotidiano justamente por ter sido fruto deste ambiente que é retratado na atividade lúdica, e por isso, impregnado de relações advindas do senso comum e que devem ser repensados nas escolas sem violentar a naturalidade da sua criação.
É na hora do jogo que a criança está construindo o seu espaço e situando-se no tempo, momento em que se relaciona com pessoas e objetos, numa constante troca de experiências com as atividades, construindo conceitos no ato de brincar livremente. Por isso, cabe ao professor possibilitar situações que permitam a reflexão do movimento da criança em relação ao movimento das coisas que a rodeia e a compreensão das mesmas. Não basta mover-se no espaço no ritual de gestos prontos e pensados pela escola, que não retratam a realidade do mundo.
Se o canto é livre e o jogo também, porque trancá-lo em artifícios pedagógicos que encaixotam o ato de brincar?
Entendemos que cabe ao professor observar as crianças brincando sem querer tornar-se dirigente deste jogo, deve o mesmo ser também um brincante e fazer parte da reconstrução, garantindo a reflexão do cotidiano, abrindo novas cenas para uma escola que seja capaz de respeitar o jogo de rua, recriar a cada jogada na construção de um mundo de esperanças e expectativas projetadas pelo, correr, brincar, pular e pelo faz de conta, sem predeterminar as ações, estimulando a consciência das crianças para torná-las indivíduos cidadãos, educando-os para uma sociedade mais justa.
O papel do professor que joga, nesta perspectiva, é entrar no jogo e permitir que a criança possa sentir, perceber, analisar e decidir, fazendo de cada jogada um novo desafio, e de cada desafio uma nova jogada sem perder o sentido do jogo, pois jogo não pode ser trabalho, senão perde sua essência.
Portanto, o jogo de idéias deve ser uma iniciativa do professor jogador, que fazendo parte do contexto, aponta soluções com o grupo. Mas, podemos constatar que, ainda hoje, essa interação se torna difícil, pois como observa Fortuna (2003): “...os adultos parecem sentir-se ameaçados pelo jogo devido a sua aleatoriedade e aos novos possíveis que constantemente abrem. Seu papel no brincar foge à habitual centralização onipotente e o professor não sabe o que fazer enquanto os seus alunos brincam...”
A criança quando brinca vivencia todas as possibilidades de interagir com o outro, e a escola precisa de um lugar de brincantes que crescem juntos e fazem do conteúdo uma grande festa, a festa do acesso ao conhecimento de forma prazerosa.
O professor, por sua vez, na condução de crianças que jogam deve observar e interferir de maneira mediadora com a participação dos componentes do grupo, para assim caracterizar o jogo como produção cultural da criança e, deste modo, não submetê-las aos caprichos de regras pré-determinadas que servem para cultivar a heteronomia[2]. Ao contrário, a educação cabe favorecer o desenvolvimento de sujeitos autônomos, o que está intimamente ligado a um ambiente questionador que permita a participação de todos, no entendimento que as regras do jogo são resultados de decisões de quem esta jogando e que o jogo tem inicio e é o meio que determina o seu fim, para isso é preciso dar voz e voto para solucionar coletivamente os impasses apresentados pelo jogo.
Cabe aos educadores, neste momento, repensar o papel das músicas e dos jogos na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental e, principalmente, o papel da criança que sofre a ação das músicas e dos jogos no cotidiano escolar. Como se vê, a utilização da música e dos jogos na formação educacional está em questão, pois com o passar dos anos ainda se promove à domesticação da criança, determinando o comportamento sem uma ação crítica sobre o ato pedagógico. É assim no cotidiano da escola, bem como nas datas comemorativas. Esses momentos são de uma total ausência de senso critico, repetindo atos seculares que contribuem para reproduzir valores que reforçam a visão de um mundo sem mudanças. É preciso refletir.
Cantando, criando e recriando jogos antigos mantém-se a alegria na escola e esta passará a ser sinônimo de conquistas do conhecimento, de acesso à produção cultural de um povo, para que não se cultive alegres obedientes sem autonomia e sim, formadores de uma nova história, um novo tempo, com evolução cultural de seres pensantes e críticos.
Portanto, deixem que as crianças modifiquem e criem a partir do que for visto e ouvido, sem preocupação com coreografias ou modelos prontos. Que o jogo e a música possam prestar serviço às crianças e não as crianças estarem a serviço das músicas e dos jogos.

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